Do meio-tom à imortalidade
Nos 105 anos do nascimento de Francisco Xavier da Cruz, as comemorações centraram-se em Lisboa (no Centro InterculturaCidade). Por cá – apagada e vil tristeza -, B. Leza continua esquecido da agenda cultural do Estado e, para os mais jovens, o seu nome vai-se varrendo nas memórias do tempo
Corria o ano de 1940, B. Leza atraca em Lisboa, a então capital do triste e pobre império. Na bagagem, a viola, a voz e o engenho de poeta, crioulo sim, mas revelando-se “compositor de fados”… Sessenta anos depois, na suposição nunca segura da vida eterna [a dúvida, sempre a eterna dúvida], poderíamos imaginá-lo em alegres cavaqueiras com amigos também já ausentes. Gente de Lisboa, claro: Raul Solnado, José Viana, Hermínia Silva…
Amigos, pois, de cantorias e guitarradas noite adentro, rompendo os silêncios de Lisboa e as contingências de um poder instalado onde “o respeitinho é muito bonito” e a estroina dos artistas alfineta a educação conveniente dos “bem-nascidos”.
E a referência, estranha, porém tão óbvia, da alusão a nomes portugueses, gente das artes do país distante de Camões. Pois, porque é em Lisboa que estes 105 anos da natalidade do génio estão a ser comemorados – e dia 17 irá ser colocado um painel de azulejos, reproduzindo um quadro de António Firmino, na casa onde viveu, no Poço dos Negros -, sem que por cá, pátria de Francisco Xavier da Cruz, um único ato público assinale a efeméride.
Estranha, sim, a bizarra circunstância de a capital do velho colono não ter esquecido o homem e o artista, e a capital de sua pátria, nos tera, o olvidar na patine do tempo. Como se fora foragido da sua gente, desterrado para parte incerta.
Eclipse, Miss Perfumado, Lua Nha Testemunha… Lembram-se? É B. Lesa, magistralmente interpretado pela sobrinha Cesária, a diva que não cansa de levar o mestre às quatro partes do mundo, de lhe dar a voz que a terra mãe nega.
Influenciado, também – porque a diversidade acrescenta? – pelos sons do mundo, B. Leza deixou vasto espólio de fados, mornas-tango, coladeiras e mazurkas, a par de uma obra literária que exigia olhar atento e reedição célere. “Flores Murchas”, “Fragmentos – Retalhos de um Poema Perdido no Náufrago da Vida”… Quem se lembra? Quantos homens e mulheres deste país já leram a poesia maior de Francisco Xavier da Cruz?
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