terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Sassetti encantou

Ne tirez pas sur le pianiste!

A mão virtuosa, a direita, conquista nas teclas a melodia: os dedos ágeis, exercitados, divertem-se pelos pentagramas ocultos, a preto e branco, no teclado do piano de cauda, cansado de estar silencioso no auditório do Centro Cultural Português, cidade da Praia. A esquerda compassa, mais pesada, mais perra, o contraponto. A música, que as mãos de Bernardo Sassetti empurram para os muitos ouvidos que povoam o salão, agarra as atenções aqui e ali agredidas por algum catarro que, a espaços, vem espreitar. E a música, escreveu o poeta, “musica”: são temas que a memória identifica, mergulhados em semibreves, fusas e semi-fusas, colcheias e semi-colcheias que a imaginação inscreve na pauta dos sentidos. É visível – o pianista diverte-se.

Foi noite boa, cerca de hora e meia, aquela de que mais de duas centenas de pessoas usufruíram na Achada de Santo António, na quinta-feira da passada semana. De Lisboa viera Sassetti: a chamada atraía os connaisseurs, os creditados e os supostos, e eles deram resposta. No palco, feitas as apresentações por João Laurentino Neves, diretor do CCP, o abanar da cabeça (e da melena) do executante começou a orientar os sons que as cordas do piano, habilmente marteladas a partir dos dedos do pianista, atiravam ora em andante largo, ora em vivace, para os labirintos ouvintes. A cada trecho discorrido, onde se descobriam temas de Portugal, de Cabo Verde, da América Latina, os aplausos intervalantes agradeciam. Até que, à sétima composição gizada, houve pedido de encore. Bernardo Sassetti correspondeu.

Para os ouvidos avaros dos praienses (muitos portugueses entre eles, sinal de que o antigo colonizador, agora amigo e parceiro, vai dilatando presença), pouco afeitos a estes requintes, foi Apolo, o deus das artes, derriçando ternuras com as Musas. Para os mais entendidos, a vermina da crítica detetou “facilidades” e “poses” talvez escusadas. Mas isso já é outra música. A que mais importa: teve-se no CCP um momento infelizmente raro em Cabo Verde. E isso foi bom. Ficou-se agradecido.

Nuno Rebocho

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