quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Norberto Tavares

O cantor da liberdade
Foi sempre um artista comprometido. Entusiasta da independência, militante ativo pela democracia, homem de seu tempo e de seu povo. Deixou-nos um dia depois do Natal, mas continua “por aí”, desafiando tiranos e tiranetes, armado com a viola e a voz livre
Estávamos no início do século XXI, corria o ano de 2003, quando rebenta a polémica: Norberto Tavares anuncia não mais lançar nenhuma obra discográfica. O gesto é forma de protesto contra os “corvos” que dominavam a produção musical cabo-verdiana. O músico, cantor e compositor junta a sua voz a outro nome grande da música crioula: “O Paulino [Vieira] é homem muito corajoso e está a batalhar por uma causa muito justa à qual eu também me sinto comprometido”.
Entre a música e o compromisso, foi assim que o santiaguense de Santa Catarina, de seu nome Norberto Tavares, sempre regeu sua vida, sempre abraçou o mundo e sempre – quando outros se escondiam por detrás dos biombos da cobardia e do oportunismo – tomou posição.
Homem do seu tempo – como sói dizer-se -, Norberto desde cedo percebeu que o seu papel no Mundo estava talhado a ser diferente da comodidade fácil dos fúteis, dos submissos e dos cínicos. 
Nascido a 6 de Junho de 1956, na então Assomada colonial, tem como pai o extraordinário músico Aristides Tavares, tocador de violino e de outros instrumentos de corda. Órfão prematuro aos 9 anos, o pequeno Norberto, seguindo “estranho impulso hereditário” aprende, de moto próprio, a tocar acordeão, teclados e guitarra, incentivado pelo pároco local que põe à sua guarda o órgão da igreja – seu primeiro palco. E, ainda adolescente, ganha nome e créditos de artista, abrindo-se-lhe as portas do Mundo e o apelo ancestral da diáspora cabo-verdiana.
Nos anos 70, sob o jugo colonial, quando andava no ar, segura mas não datada, a liberdade da Pátria, ruma a Lisboa de viola a tiracolo e mergulha na onda da música, compondo funaná e batuko que havia aprendido na distante Assomada. Em 1975, surge o primeiro disco com a banda Black Power que, entretanto, fundara em Lisboa com outros músicos cabo-verdianos.
Os alvores da democracia em Portugal vive-os intensamente, percorrendo as ruas de Lisboa na mole humana que “gritava ódio apenas ao vazio”; como entusiasta, assiste à independência de Cabo Verde. Suas letras perpassam essas generosas ideias de liberdade que, aliás, o marcaram pela vida e o fazem rumar à América, placa giratória dos cantos da distante África e das músicas de todo o Mundo.
A voz, a viola, a pena ágil, utiliza-as Norberto para ter seu povo perto do coração e como armas de intervenção política, de denúncia das injustiças sociais em Cabo Verde. E, 17 anos depois de ter deixado a Pátria amada, regressa para integrar as multidões que, num misto de esperança e revolta incontida, percorrem as ruas clamando por liberdade e democracia. Em cada palco, Norberto Tavares, crioulo de Santa Catarina, puxa pela corrente de mudança com a música e a verve certeira, influenciando o resultado eleitoral que abriu o País ao fim da ditadura do partido único e da celerada perseguição das vozes discordantes.
Norberto era assim, onde houvesse uma luta justa para travar, dizia: presente; quando o sofrimento se encostava a um “irmão”, se entregava todo: solidário; quando o seu povo clamava por justiça, subia ao primeiro palanque e emprestava a sua arte para o servir!
Deixou-nos dia 26 de Dezembro, em New Bedford, depois de travar sua última luta pela vida – e adquiriu a imortalidade, porque os artistas e os combatentes da liberdade não se apagam da memória do povo e deixam seu nome inscrito nas páginas da História.
Norberto Tavares? Presente!

Entre a música e o compromisso, foi assim que sempre regeu sua vida, sempre abraçou o mundo e sempre – quando outros se escondiam por detrás dos biombos da cobardia e do oportunismo – tomou posição

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